terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A PENA DE MORTE NO ANTIGO TESTAMENTO - ¨Pena de morte jᨠPe. Emílio Silva

É indubitável, e nenhum crente porá em dúvida, que Deus é o Supremo Senhor da vida e que, por conseguinte, pode transmitir às autoridades temporais, por Ele ordenadas em toda sociedade, o direito sobre a vida e a morte e portanto o de infligir a pena capital em caso de necessidade. Que assim o tem feito em certos casos, e para determinados delitos, atesta-o claramente a Sagrada Escritura.

Já no Gênese, diz Deus a Noé: "Quem derrame o sangue humano, por mão humana será derramado o seu; porque o homem foi feito à imagem de Deus."³0 No Êxodo, promulgado o Decálogo, continua o Legislador: "Quem ferir um homem, querendo matá-lo, será castigado com a morte";³¹ e com mais ênfase, dois versículos mais adiante, no mesmo capítulo: "Se alguém, premeditada e insidiosamente matar seu próximo, até de meu altar o arrancarás para dar-lhe morte."³² No Levítico reitera-se concisamente o castigo: "Quem ferir e matar um homem, seja morto irremissivelmente."³³

No livro dos Números, para evitar um possível erro no juízo, exige-se que sejam várias as testemunhas do crime. "Todo homicida será morto por depoimento de testemunhas; uma só testemunha não basta para condenar à morte um homem", e continua o hagiógrafo: "O sangue (do inocente) contamina a terra e não pode a terra purificar-se com o sangue nela vertida, senão com o sangue de quem o derramou."³4

É pois evidente que Deus permite e que é lícita a execução dos réus de homicídio. Porém, há mais; pelo teor dos textos, vê-se claro que não contêm somente uma permissão, "trata-se - dizem o eminentes biblistas Schuster e Holzammer - de uma obrigação  que o Senhor da vida impõe ao homem, de castigar com a morte todo assassino,³5 ou como se expressa Welty: "No antigo testamento não somente se aprova como ação lícita a execução dos criminosos, como também é algo expressamente aprovado e mandado por Deus".³6 Acrescente-se, a essa obrigatoriedade do castigo, a reiterada proibição de conceder indulto ao homicida.³7

Todavia, como essa que diríamos divinização do poder social, para o castigo último dos delinqüentes, se tornou muito incômoda aos abolicionistas e sobretudo aos pretensos católicos progressistas, optam por negar gratuitamente sua validez atual, dizendo que aquele foi tão só ordenamento jurídico para um povo em particular, mas que não tem valor universal.

Entretanto, no Antigo Testamento existem preceitos morais, cerimoniais e judiciários. Estes dois últimos, desde a morte do Redentor, cessaram por completo, tornando-se letra morta. Quanto aos morais, é doutrina comum entre os doutores, que eles se fundamentam, reproduzem e consubstanciam o direito natural, e, portanto, mantêm perfeita vigência na Nova Lei, não enquanto formulados por Moisés, senão enquanto têm por autor a Deus Criador da natureza humana e a Jesus Cristo que os confirmou: "Non veni solvere legem sed adimplere."³8 "Não vim ab-rogar a lei, mas cumpri-la."

Ou de outro modo. Sendo Deus o autor da sociedade humana, outorgou sem dúvida aos governantes todos aquele poderes que são necessários para manter a vida política e pacífica dos cidadãos, um dos quais, indispensável, é o de infligir castigo aos malfeitores, sem o qual não poderia subsistir a república. É pois indubitável que a autoridade pública pode licitamente privar da vida os delinqüentes. Este poder é de direito divino, natural, segundo o sentimento unânime dos católicos - communis catholicorum sensus - diz João de Lugo, "porque se a nação não pudesse defender-se convenientemente dos malfeitores, castigando-os e ainda matando-os quando fosse necessário, seria por eles gravemente perturbada".³9



30 Gen. IX, 6.
31 Ex. XXI, 12.
32 Ex. >>I, 14.
33 Num. XXIV, 17.
34 Num. XXXV, 30-33.
35 J. Schuster und HJ. B. Holzammer, Handbuch zur biblischen Geschichts, Friburgo, 7ª ed., 1910, tomo I, p. 230.
36 Eberhard Welty, Cat. Social, Barcelona, 1957, p. 91.
37 Gen. IX, 5 s., Ex. XXI, 12-27, Núm. XXXV, 31
38 Mat. V, 17.
39 Lugo, De Justitia et Jure, Disp. X sect. 2ª nº 56-58. Cfr. o livro bem pensado e completo de David Núnez, La Pena de Muerte frente a la iglesia y al Estado, 2ª ed., Buenos Aires, 1970.

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