sábado, 18 de dezembro de 2010

ERRO JUDICIAL I - ¨Pena de morte jᨠPe. Emílio Silva

A quase totalidade dos abolicionistas, em seu combate contra o instituto da pena de morte, põe toda sua ênfase no argumento baseado no erro judicial. Ainda suposta a máxima retidão na administração e exercício da justiça, são possíveis e ocorrem, como em toda atuação humana, erros na aplicação das penas, inclusive tratando-se da mais grave que é a de morte, erro que pode levar ao patíbulo um inocente. Se pois, dizem, isto é possível e já algumas vezes aconteceu, é lógico que, para evitar que se repita tão lastimoso e terrível evento, seja proscrita a imposição da pena de morte, visto como o efeito fatal de tal erro é absolutamente irreparável.

Para muitos abolicionistas este argumento é como uma fortaleza inexpugnável, irrebatível para os retencionistas da pena capital. Não obstante, apesar do particular relevo que dão a esta condição falível da pena, e da confiança que isto lhes inspira, como aríete debelador do instituto da pena de morte, é indubitável que tal argumento carece de valor e é preciso desestimá-lo e rebatê-lo por três motivos principais: a) é errôneo pensar que a reparabilidade seja condição necessária para a licitude do castigo; b) a dificuldade e raridade com que possa ocorrer um erro judicial faz com que praticamente não tenha valor na administração da justiça; c) funestíssimas seriam as conseqüências que, a levá-lo em conta, se seguiriam para a sociedade.²¹8 Vamos expor com brevidade estes três itens:

a) Ninguém demonstrou nem poderia demonstrar que a reparabilidade seja requisito indispensável para infligir com justiça uma pena.

Com efeito, no mundo dão-se e tiram-se mil coisas que não se pode voltar a tomar por um, nem restituir pelo outro. Para decidir se é lícito ou não tirar uma coisa, não há de olhar-se se pode ou não restituir-se, senão, se tenho ou não direito para tirá-la. Se tenho esse direito, basta, e se não o tenho, não posso tirá-la nem ainda com a boa vontade de devolvê-la.

O jurista Mezger, um tanto simpático ao abolicionismo, reconhece nobremente que a irreparabilidade que se atribui ao erro judicial nos casos de pena capital, "é aplicável a toda pena executada, não só à que é contra a vida".²¹9 Idêntico a este é o parecer do notável penalista espanhol Puig Peña: "O mesmo caráter de irreparabilidade têm todas as penas e em especial as mais duras."²²0

Em realidade a reparação não se dá com nenhuma pena já cumprida. Um pai de família digno e honrado é condenado a dez anos de prisão por um grave e vergonhoso delito. Cumprida a pena, descobre-se sua inocência; a afronta, a desonra e a vergonha por que passou, o vexame da família perante a sociedade, as privações, os cuidados que deixou de prestar a sua esposa e a seus filhos, além dos graves sofrimentos físicos na prisão etc., são ressarcíveis? Outra pessoa também inocente é condenada a doze anos de reclusão. Cumpre a pena e morre em pouco tempo. Depois de morta descobre-se a inocência. Será reparável esse erro judicial? E como estes, outros mil casos reais ou hipotéticos nos quais houve impossibilidade de reparação da pena sofrida.

Convenhamos em que não há nenhuma pena reparável, que se possa aplicar a todos os delinqüêntes, ou à maior parte deles. E não a havendo, pergunto eu com Amor Naveiro: "Que pode argüir-se contra a pena de morte que não se argua também contra as outras penas?"²²¹ Para ser lógico é preciso concluir que, não sendo reparável nenhuma pena aplicada por erro judicial, e sendo por outra parte certo que sempre é possível incorre em erro, não se poderá já infligir pena alguma.

Como esta conclusão resulta absurda pelas conseqüências que acarreta sobretudo por impossibilitar a subsistência de qualquer sociedade, faz-se necessário reconhecer que as premissas são falsas. Não é verdade que a reparabilidade seja condição essencial para uma sanção justa. A infalibilidade não se acha nem é exigível nas coisas humanas. Pode-se pois, na aplicação das penas, proceder com retidão e sem violação da justiça, atuando com prudência; e ainda nos casos de extrema gravidade, é suficiente, como adverte o moralista Roberti "a prudência requerida para atos de gravíssima importância",²²² tendo sempre em conta que é preferível, nos casos de dúvida positiva, absolver um culpado, a condenar um inocente;²²³ não olvidando tão pouco que aos olhos de Deus, "tão abominável é quem absolve o culpado, como quem condena o inocente".²²4

O eminente filósofo e penalista que foi Gabriel Tarde vai mais longe no rebate desse argumento, dizendo que a irreparabilidade da pena é precisamente "a condição sine qua non da segurança absoluta que da pena se espera", além de ser também "caráter comum de todas as outras penas". Objeta-se-lhe a inocência de alguns que foram vítimas de erro, "como se a certeza absoluta fosse deste mundo!"²²5

Alguns adversários da pena de morte como Ellero, Olivecrona, Camus etc., despregam toda sua retórica para pintar-nos as terríveis conseqüências que no mundo tiveram os erros judiciais. O caráter de irrevocável, irreparável que reveste essa pena deve ser motivo suficiente, dizem, para aboli-la definitivamente: "Sem essa pena, dizia Ellero, não haveria sido manchada de sangue a história das maiores nações, não se haveria envenenado Sócrates, nem haveria sido decapitado Tomás Moro, nem queimado Jerônimo Savanarola, nem haveria sacrificado o Salvador. Só este suplício é um eterno anátema contra a pena de morte."²²6

Como é possível que esses juristas qualifiquem de erro judicial essas condenações, nas quais os presumidos delitos julgados e alegados eram notórios e notório do mesmo modo o sujeito a quem se atribuíam? Que noção, para seu uso, têm esses senhores do erro judicial? Confundem, sem dúvida intencionalmente, e chamam de erro judicial os crimes que em todas as épocas cometeram os tiranos ou os governos tirânicos e as chamadas "Democracias Populares".

Não foi nenhum erro judicial o que levou à morte Sócrates ou Tomás Moro, como tão pouco foi conseqüência de tal erro a condenação de Calvo Sotelo, José Antônio, Ramiro de Maeztu, Dimas Madariaga, Victor Pradera e tantos outros, vítimas do Governo da Frente Popular; nem os eliminados no cárcere Modelo de Madrid;²²7 tão pouco houve erro judicial na morte dos 50.000 prisioneiros de guerra, alemães, fuzilados por ordem do triunvirato Stálin-Roosevelt-Churchill; nem na de 130.000 "colaboracionistas" franceses - entre os quais o Dr. Alexis Carrel, Roberto Brasillach, Pièrre Laval etc., vítimas do governo esquerdista de De Gaule; não foi por erro judicial que tantos infelizes encontraram a morte na Lubianka, de Moscou, ou nos espurgos de Stálin; nem os muitos "tribunais populares" de Cuba, como colaboradores de Batista etc., etc.

Não continuemos que seria interminável a enumeração dos que, no correr dos tempos, foram vítimas, não dos erros judiciais, mas da perversidade de déspotas e tiranos de toda laia. É que nesses casos nunca se deu o erro judicial.

É bom esclarecer de uma vez que, nem qualquer morte injusta, infligida pela autoridade, é erro judicial, senão que tão-só se qualifica como tal o equívoco cometido, sem má fé, por um juiz no juízo de uma causa criminal, quer condenando um inculpado inocente ou absolvendo um verdadeiro malfeitor. No primeiro caso, da condenação de um inocente, se a sentença foi de morte, o erro torna-se absolutamente irreparável e de muito funestas conseqüências. É desse erro que tratamos neste parágrafo, sem que por isso olvidemos que também a absolvição de um culpado deixe de ter, com freqüência, muitos graves resultados, como a olhos vistos aparece em bastantes casos na Espanha, depois da morte de Franco, quando uma série de facínoras e terroristas foram libertados da prisão, não para corrigir erros judiciais, senão, por motivos ou razões da inepta e ruím política do Governo, voltaram incontinenti a praticar suas malfeitorias e assassinatos. Assim pois, de tudo que foi dito, nada se pode argüir contra o legítimo exercício da justiça, em que, pela falibilidade humana, se pode incidir em alguns erros.

Um caso particular de estultice e verdadeiro desatino é invocar a condenação de Jesus como erro judicial, pois foi o próprio juiz, Pilatos, quem proclamou a inocência do réu" "Que acusação trazeis contra este homem?... Eu não acho nele delito algum."²²8 "Dizem todos: Seja crucificado... Pois que mal fez? Eu não acho nele causa alguma de morte." Pilatos pediu água, lavou as mãos e disse: "Eu estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso."²²9 Onde está aqui o erro judicial de Pilatos? Não há tal, Pilatos condenou Jesus com pleno conhecimento de causa e tornando público que era justo.



Continua: ERRO JUDICIAL II

b) a dificuldade e raridade com que possa ocorrer um erro judicial faz com que praticamente não tenha valor na administração da justiça;
c) funestíssimas seriam as conseqüências que, a levá-lo em conta, se seguiriam para a sociedade.




218 Cfr. sobre a origem, os partidários, o desenvolvimento e a confiança no argumento baseado no erro judicial, Amor Naveiro, El problema de la pena de muerte, p. 172-196. E talvez com mais amplitude D. Nuñez, La pena de muerte, 2ª ed., Buenos Aires, pp. 191-198 e 245-264.
219 E. Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. esp., Madrid, 1949, t. II, p. 338.
220 F. Puig Peña, Derecho Penal, 4ª ed,. Madrid, t. II, p. 35.
221 Amor Naveiro, El problema de la pena de muerte, Madrid, 1917, p. 177.
222 Card. Fr. Roberti, Dicc. de Teol. Moral, Barcelona, 1960, p. 820.
223 Otto Schilling, Grundriss der Moraltheologie, 2ª ed., Frigurgo, 1949, p. 503.
224 Prov., XVII, 15.
225 Gabriel Tarde, La Philosophie Penal, 5ª ed., Paris, 1900, p. 544
226 Ellero, Sobre la pena de muerte, p. 152, ap. Amor Naveiro, op. cit., p. 176-177.
227 Vid. La dominación roja en España. Causa general. Várias edições. Passim.
228 Jo., XVIII, 29 e 38
229 Mt., XXVII, 22-26

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