sábado, 11 de dezembro de 2010

ESCOLA CLÁSSICA E ABOLICIONISTA DA PENA CAPITAL - ITALO GRASSI


"Donde quiera que la pena de muerte ha sido abolida, la sociedad ha destilado sangre por todos los poros" (Donos Cortés, ENSAIYO).

"Considerad, legisladores, que la energia de la fuerza amenaza que aterra al injusto, y la esperanza de la sociedad. CONSIDERAD QUE LA CORRUPCIÓN DE LOS PUEBLOS NACE DE LA INDULGENCIA DE LOS TRIBUNALES Y DE LA IMPUNIDAD DE LOS DELITOS. (Simón Bolívar, MENSAJE A LA CONVENCIÓN DE OCAÑA, 29-2-1828)
"Tudo se paga" (Napoleão, em Santa Helena).


Em seu nº 66 de fevereiro de 1986, o informativo católico "De Rome et d´AILLEURS" nos brinda com um artigo de H. le Caron, sob o sugestivo título "LE TEMPS DES ASSASSINS", que começa retratando o mundo de nossos dias:

"Fazem-se explodir aviões em pleno vôo; seqüestram-se viaturas; os terroristas atiram ao acaso sobre filas de passageiros que aguardam nos aeroportos, matando mulheres e crianças inocentes. No ano passado, durante um incêndio num estádio, viram-se jovens dançar diante das tribunas, onde espectadores estavam sendo queimados vivos. Na Bélgica, os torcedores de um time massacram os do quadro adversário, o que não impede o prosseguimento da partida e de fazerem os vencedores seu "tour d´honneur", sob as aclamações da multidão. Matam-se os homens no Líbano, no Afeganistão, no Iraque, no este asiático e na América Central. É a atualidade quotidiana; e a maior parte das pessoas permanece indiferente, a menos que os mortos sejam parentes".

"Nos primeiros cinco meses deste ano (1986), ocorreram, na Grande São Paulo, 2.406 homicídios - 481 por mês, 16 por dia, um a cada 90 min.; 42.028 furtos, 18.000 assaltos. Os homicídios aumentaram em 100% ("O Estado de São Paulo", 1/6/86, p. 22)

Os crimes mais bárbaros são praticados com requinte de perversidade, revelando uma insensibilidade moral semelhante à dos brutos.

Os bairros, outrora tranqüilos, apresentam-se com as casas cercadas de grades, veladas, durante a noite, com guardas particulares.

Inverteram-se as posições: as pessoas enjauladas, e as "feras" soltas, à espreita...

A juventude afina no mesmo diapasão, fazendo-se atual a perplexidade do grande criminalista francês, Louis Proal: "A que se deve atribuir esta perversidade da juventude, que jamais fora tão corrompida? A meu ver - responde - ao debilitamento das crenças espiritualistas e cristãs". E acrescenta, noutro passo: "A criminalidade aumenta, enquanto a ciência, a arte e a indústria progridem. O espírito se aguça, a instrução avança e a moralidade não cresce na mesma proporção; antes, descreve, notadamente entre os jovens". E, secundando M. Frank: "A instrução se torna, muitas vezes, auxiliar do vício e do crime. À instrução se torna, muitas vezes, auxiliar do vício e do crime. À instrução é necessário juntar a cultura moral, em que a fé, unida à caridade, constitui um elemento necessário" ("Le Crime e la Penine", 1892, ps. 193/195).

E isso porque, como já observara Aristóteles, "cuando está desprovido de virtud, el hombre es el menos escrupuloso y el más salvaje de los animales y el peor en el aspecto de la indulgencia sexual y la gula" ("Politica", Liv. I, cap. 2 - Aguilar - Obras).

"Senhores - já advertia Donoso Cortés, profeta da história, há mais de um século - não há mais do que duas repressões possíveis: uma interior e outra exterior, a religião e a política. E são de tal natureza, que, quando o termômetro religioso está algo, o termômetro da repressão política está baixo; e, quando o termômetro religioso está baixo, o termômetro político, a repressão política, a tirania está alta. Esta é uma lei da humanidade, uma lei da História" ("Discurso sobre a Ditadura", in Obras Completas, Madrid, BAC, tomo II, 305s.).

Assim, também, se apercebeu a sensibilidade de Rui Barbosa: "Quando se afrouxam os laços morais, estreitam-se os laços políticos".

Entretanto, ao invés de refrear a crescente onda de criminalidade com penas e julgamentos mais severos, mitiga-se a disciplina dos Códigos, e as entidades responsáveis pelo embasamento moral da sociedade abdicam de sua liderança, para tornar-se caudatárias das soluções violentas - "da beneficência constrangida", que é "ferida pela esterilidade na sua própria fonte", na feliz expressão de Ventura de Raulica ("Obras Póstumas").

Parecem chegados os tempos vislumbrados por Donoso Cortés:

"Os governos não são competentes para impor uma pena ao homem senão na qualidade de delegados de Deus. Só em nome de Deus podem ser justos e fortes. E quando começam a secularizar-se ou apartar-se de Deus, afrouxam na penalidade, como se sentissem que diminui seu direito. As teorias laxas dos criminalistas modernos são contemporâneas da decadência religiosa, e seu predomínio nos códigos é contemporâneo da secularização completa das potestades políticas. Os racionalistas modernos chamam ao crime desventura: dia virá em que o governo passe aos desventurados; e, então, não haverá outro crime senão a inocência. O novo evangelho do mundo se está escrevendo em um presídio. O mundo não terá senão o que merece, quando for evangelizado pelos novos apóstolos" (Ensayo, Cap. V, in obras compl., tomo II).

Entrementes, e como "todo o Direito, enquanto Direito e não um injustiça, tem por finalidade proteger uma existência moral" (Tredelengurg), cabe à lei, em face da crise que agride tão fundamente a moral, defender os seus princípios, na medida exata da agressão, sob pena de incidir na inocuidade.

Não se contesta - porque está na ordem do dia de todas as discussões - que a ferida está a exigir a cauterização extrema.
(...)
Todos os grandes sistemas filosóficos e religiosos têm por finalidade a realização do homem como homem. E o critério dessa realização está condicionado ao conceito que cada qual empresta ao seu destino , temporal ao eterno.

No mundo moral, como no mundo físico, uma desordem arrasta uma centena de outras (Diodato Lioy, Philosophie du Droit, 1887, p. 305)

"Todo erro filosófico - lembra Ventura de Raulica - não é, no fundo, senão a negação da existência da alma ou da realidade do corpo do homem, assim como toda heresia em matéria religiosa não é, no fundo, senão a negação da humanidade ou da divindade de Jesus Cristo" ("Conferences", 182, p. 2/3).

E a razão no-la dá o Doutro Angélico: "O primeiro dano que o homem sofre em conseqüencia do pecado é a desordem do entendimento; o segundo é incidir na pena correspondente" (Suma contra os Gentios, Liv. IV, LXXII, vol. II, p. 863, da ed. BAC).

O Direito Penal não poderia furtar-se a tais contingências, uma vez que todo o fundamento do direito de punir está condicionado à aceitação ou repúdio do livre arbítrio, vale dizer, da responsabilidade moral do agente.

Assim, para a Escola Clássica, espiritualista, o crime é a violação consciente e voluntária da lei penal. Para essa Escola, o livre arbítrio é da essência do Direito Penal. Consequentemente, a pena somente é justa, se o agente tiver praticado a ação, voluntariamente e na plenitude do exercício de sua responsabilidade moral.

Por sua vez, a pena tem uma tríplice finalidade: medicinal, reparadora e exemplar - corrigir o agente, restabelecer a ordem na sociedade e prevenir o crime com o exemplo.

A importância deste tríplice objetivo está em função da sociedade a que se destina, conforme pondera Tapparelli D´Azeglio:

Assim, na sociedade doméstica, a principal finalidade da pena é medicinal, porque o pai inflige castigo ao filho para educá-lo; na sociedade política, porém, a principal finalidade da pena é manter a ordem externa, com a reparação do prejuízo causado pelo crime, mediante sua ação exemplar. Evidentemente, a excelência da pena será tanto maior quanto estiverem realizados esses três efeitos (Diritto Naturale, vol I, parágrafo 806).

Já, para a Escola Positiva, determinista, que não cuida da trancendência da alma, "nenhum homem é reputado responsável moralmente por seus atos, porque nenhum possui o livre arbítrio; mas todos são socialmente responsáveis, porque vivem em sociedade"(Muniz Sodré, "As Três Escolas Penais", 2ª ed., p. 352).

Desse modo, negado o livre arbítrio, a vontade deixa de ser causa determinante da ação, para se tornar simples efeito autômato de anomalias orgânicas do delinqüente ou de condições ambientais, que o induzem ao crime (Bettiol - "Diritto Penale", 5ª ed., p. 41.


Conseqüentemente - observa agudamente o grande e saudoso professor e senador italiano - "se, para os positivistas, a liberdade moral, isto é, o livre arbítrio, é uma simples ilusão de nossa consciência falaz, que não distingue o nexo entre a ação e determinados precedentes, segue-se que não tem justificativa aquele procedimento aflitivo - a pena - que pressupõe liberdade de escolha. Não imputabilidade, responsabilidade, mas periculosidade do réu - eis o título que justifica uma sanção penal ou a aplicação de medida de segurança. O coração do sistema penal positivista está, pois - conclui Bettiol - no conceito de 'periculosidade social', vale dizer, na probabilidade de que determinado indivíduo, em virtude de certa anomalia, possa praticar atos socialmente danosos".

"Isto posto, a medida de segurança se aplica, não em função da gravidade do fato criminoso, mas do grau de periculosidade do agente... Desse Modo, será, geralmente, por tempo indeterminado, porque não se pode saber, 'a priori', quanto tempo poderá durar a anomalia, a doença, a periculosidade"(ob. cit. p. 41).

Nosso Código Penal de 1940, então, fez um conúbio incestuoso: "Nele - reza sua 'Exposição de Motivos' - os postulados da Escola Clássica fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva". "A autonomia da vontade humana - prossegue - é um postulado de ordem prática (sic!), ao qual é indiferente (!) a interminável e insolúvel controvérsia metafísica entre o determinismo e o livre arbítrio"...

Institui, assim, o "duplo-binário"- pena e medida de segurança (que não é senão uma sobrepena). Vale dizer, cumpre o réu a pena principal, proporcionada ao delito, porque reputado moralmente responsável, conforme os postulados da Escola Clássica; em seguida, sobre a medida de segurança, indeterminada, até a cessação da periculosidade - mercê dos princípios da Escola Positiva...
 

As conseqüências não se fizeram esperar. Por delitos de pequena monta, mesmo contravenções penais, permaneceram e permanecem indivíduos nos institutos de "reeducação", por tempo indeterminado, com desprezo à elementar norma da proporcionalidade da pena à infração.

Reconheceu a falência do sistema o legislador do Código Penal de 1969, que suprimiu a medida de segurança, reservada apenas aos delitos praticados por doentes mentais.

Judiciosa a observação de Afrânio Peixoto: "todos os Códigos Penais foram, e são, 'clássicos'; a Escola Positiva só tem por si os códigos teóricos projetados" ("Criminologia", p. 41, "Guanabara", 1933).

Tais as desastrosas conseqüências de uma escola filosófica engendrada pelo positivismo, que Gruber qualifica de "uma grande mistificação, favorecida pelo espírito vão e superficial de um século de semi eruditos" ("Le Positivisme", 1893, p. 497, ed. Lethielleux, Paris).

(...) Pe. Emílio, com seu trabalho, "de erudición pasmosa", vem desanuviar os espíritos recalcitrantes, demonstrando a legitimidade, a eficácia, em face da conjuntura social, a necessidade da aplicação da pena maior, com apoio: no consenso universal, na Bíblia - Antigo e Novo Testamento; no Magistério da Igreja e nos teólogos, filósofos e juristas de grande porte.

"Se é verdade - adverte Tapparelli D´Azeglio - que a razão não deseja outra coisa senão a verdade, de qualquer maneira que seja esta apresentada, a autoridade já forneceu, na ordem ' abstrata', uma solução irrefutável à questão. E esta autoridade é de tal natureza que somente um insensato poderia recusar: 'Uma vez que quase todas as sociedade públicas têm aplicado a pena de morte, o gênero humano a reputa portanto lícita. O legislador inspirado do povo hebreu, escrevendo sob o ditado do próprio Deus, inscreveu a pena de morte nas suas leis penais; conseqüentemente, a revelação divina proclama que a pena de morte é lícita no seio da sociedade". "In concreto", "a solução filosófica do problema se reduz a decidir: 1º- se a pena de morte pode ser necessária ao restabelecimento da ordem; 2º- em que circunstâncias ela é necessária". E conclui: "a pena de morte é lícita por sua natureza, porque ela pode ser um meio eficaz e necessário, com vistas aos diversos objetivos da pena e, especialmente, tendo em vista a segurança pública". E arremata: "A pena de morte deve (sic) ser aplicada, quando se constitui um meio necessário ao restabelecimento da ordem violada, especialmente para o restabelecimento da segurança pública"("Saggio Teoretico de Diritto Naturale", Vol. I parágrafos 831 e 832, Cività Cattolica - Roma, 1928, 4ª ed.)

Vincenzo Manzini, um dos maiores criminalistas modernos, em seu monumental "Trattato di Diritto Penale", embora por outro ângulo, afina no mesmo diapasão:

"A questão da pena de morte - argumenta - tem para nós caráter político, não filosófico, e muito menos de direito penal, sob cujo aspecto se pode examinar se ela é conforme ou contrária aos princípios gerais em que deve inspirar-se o próprio direito. E como, a observância dos preceitos penais por parte de todos, em função da  conservação e reintegração da ordem jurídica, não se pode, seriamente, desconhecer que a pena de morte, no tocante à prevenção da delinqüência, seja idônea a tal fim.


Também não se deve considerar que essa pena seja contrária a o espírito de qualquer regime político. 'Eclesian non sitit salguinem'. Portanto, a Igreja, como comunidade universal dos católico, não pode adotar a pena de morte. Mas o Estado da Cidade do Vaticano, enquanto organização política e não simplesmente religiosa, admite a pena de morte, por atentado contra a vida, a integridade ou a liberdade pessoal do Papa incondicionadamente, e, ainda, por atentado contra Chefes de Estado, se tal pena é cominada pela lei do respectivo país a que pertence o sujeito passivo do crime, conforme a lei Vaticana de 7 de junho de 1929, art. 4º. Tal pena não é contrária ao espírito dos estados totalitários, como se experimentou na Itália. Na Alemanha, uma reforma nazista de 1933 cominou a pena de morte para os mais graves delitos, com efeito retroativo. A pena capital não contrasta também com o espírito do Estado liberal democrático, monárquico ou republicano. Tanto é verdade, que a Inglaterra, os Estados Unidos, a França têm mantido e executado, sem parcimônia, a mesma pena. O mesmo se deve dizer dos Estados Socialistas e comunistas, valendo para todos o exemplo da (antiga) União das Repúblicas Socialistas Soviéticas russas.

"A pena de morte, portanto - repete - não contrasta com nenhum sistema político, mas sobretudo com as idéias de certos filósofos ou 'filosofegianti', para os quais as necessidades políticas parece não terem valor.

"Não é necessário remontar aos nossos maiores filósofos e criminalistas para encontrar os corifeus da absoluta abolição da pena de morte, mas sim aos mais sanguinários campeões da Revolução Francesa, com Robespierre e aqueles filósofos que infestaram nossa ciência no século passado.

"Quem examine, sem idéias preconcebidas, todos os argumentos de caráter lógico até agora escogitados contra a pena de morte, deve convir em que são evidentemente sofistas".


Em seguida, o grande criminalista examina e refuta, com lógica irrespondível, os argumentos mais encontradiços sobre sua aplicação, tais como sua inutilidade, irreparabilidade e o tão decantado erro judiciário.

"A pretensa inutilidade da pena de morte - prossegue Manzini - é um absurdo evidente, porque, admitindo a ineficácia dessa pena, dever-se-ia, necessariamente, reconhecer a inanidade de todas as penas, para abolir a delinqüencia. A pena de morte é útil como prevenção, porque tem a máxima força intimidativa, o que é demonstrado pela experiência". "Se se conhece o número daquele que foram condenados por crimes capitais malgrado a pena de morte,  não se pode saber quantos são aqueles que se abstiveram de semelhantes delitos, por medo de tal pena".

"Quem tem a prática dos piores delinqüentes não ignora como eles são calculadores meticulosos e precisos das conseqüências dos seus crimes; e ninguém virá negar que a previsão da pena de morte constitua um motivo inibitório não desprezível".


Em abono de tal assertiva, Hans von Hentig, professor de criminologia na Universidade de Bonn, Alemanha, nos force exemplos expressivos:

"Willian Cofee resolveu matar sua esposa e levou-a do Estado de Iowa, onde havia pena de morte, para o de Wisconsin, cuja maior pena era a de prisão perpétua, e lá a executou.

"Meiko Petrovich levou sua mulher do Estado da Pensilvânia, onde havia pena de morte, para Detroit, e ali a matou, confessando que a havia levado para o Estado de Michigan, porque aqui estava mais seguro, pois ali não havia pena de morte.

"Menos feliz foi Isaad Swatelle. Resolveu matar seu irmão Iram. Com medo da pena de morte, tratou de atraí-lo, do Estado de Massachussets, onde havia pena  de morte, para o de Maine, onde não havia tal pena. Não teve sorte, pois, errou a fronteira e o matou no Estado de New Hampshire, onde foi executado". (Cf. "La Pena", vol. II, p. 130, Espasa Calpe, Madrid, 1968, trad. do alemão por José Maria Rodriguez Devesa).


No tocante à irreparabilidade da pena de morte - prossegue Manzini - tal circunstância "não pode constituir argumento decisivo contra tal pena, seja porque a eventualidade de erro (exepcionalíssima, aliás) é própria de todas as penas, seja porque o perdão pode interferir quando se vislumbrar uma possibilidade de erro, e seja ainda porque se um fato é necessário, o risco de errar não pode torná-lo desnecessário, como acontece nas operações cirúrgicas. Considere-se, ainda, que ninguém nega ao indivíduo a faculdade de matar em legítima defesa ou em estado de necessidade, não obstante a possibilidade de errar, tanto que a lei reconhece que o putativo equivale ao real".

"Se o temor de incorrer em erro devesse impedir a ação, toda a vida individual e social permaneceria paralisada. A irreparabilidade da pena não pode conduzir senão a uma única conseqüencia: subordinar a condenação a especiais cautelas" (Relazione al Re, sul codice penale italiano).

Essa mesma cautela vem recomendada por Pio XII, em seu memorável discurso, durante o VI Congresso Nacional da Uni~]ao de Juristas Católicos Italianos, pronunciado em duas etapas - 5 de dezembro de 1954 e 25 de fevereiro de 1955:

"O juiz humano, que não tem a onipotência e a onisciência de Deus, tem o dever de formar, antes de pronunciar a sentença, uma certeza moral, que exclua toda dúvida razoável e séria sobre o ato externo e a culpabilidade interna". "Se, apesar de todos os esforços para a perquirição da verdade, permanecer alguma dúvida importante e séria, nenhum juiz, de reta consciência, proferirá uma sentença condenatória, sobretudo se se trata de uma pena irremediável, como é a pena de morte.

"Na maior parte dos delitos - acrescenta o Sumo  Pontífice - o comportamento externo reflete, suficientemente, o senimento interno, de que procedeu. Portanto, com regra geral, pode-se - e, algumas vezes, deve-se - extrair do externo uma conclusão substancialmente exata, se não se quiser tornar impossíveis as ações jurídicas entre os homens.

"Por outro lado, não se deve esquecer de que nenhuma senteça humana decide em última instância e definitivamente da sorte de um homem, senão , unicamente, o juízo de Deus, tanto relativamente a cada um dos atos particulares, como em relação à vida eterna.

"Portanto - arremata - em tudo aquilo em que os juízes humanos errarem, o Juiz Supremo restabelecerá o equilíbrio: em primeiro lugar, imediatamente depois da morte - no juízo definitivo sobre a vida inteira do homem; e, depois, mais tarde e mais amplamente, na presença de todos no último juízo universal" (Cf. BAC - "Doutrina Pontifícia", vol. 194, p. 501-502).


 
Como é intuitivo, essa certeza do juízo de Deus empresta um efeito salutar sobre a pena de morte, como obervou o grande criminalista católico,  professor e senador italiano, Giuseppe Bettiol:

"Quando se tem da emenda uma concepção espiritualista e se admite,conseqüentemente, a sobrevivência da alma individual, a pena de morte, enquanto desperta a alma do condenado, coloca-o de fronte às mais altas responsabilidades morais e religiosas, e pode determinar uma 'conversio ad Deum', que ilumina retrospectivamente, nos últimos momentos, toda uma vida" ("Diritto Penale", 11ª ed., p. 767).


Exemplo expressivo dessa "conversio ad Deum" foi a de Dimas, o bom ladrão, que, no último instante, ganhou o Paríso, graças à pena de morte...

E Hans Von Hentig informa que, segundo o dr. Squire, médico da penitenciária de Sing Sing, "de cento e trinta e oito condenados à morte, somente cinco recusaram o auxílio do sacerdote: a maioria ia para a morte com o convencimento de que seus pecados haviam sido perdoados" ("La Pena", II, p. 52, nota 117).

Vem a pelo, a observação de Santo Tomás:

"O castigo não pressupõe sempre uma culpa, embora exija uma causa. A medicina nunca priva de um bem maior para conseguir um bem menor, mas causa um menor para preservar o maior. E como os bens temporais são menores que os espirituais, pode alguém receber um castigo temporal, sem culpa, para evitar um mal espiritual. Daí, castigos temporais, sem razão aparente para o homem,  mas conhecida somente de Deus" ("Suma Teológica" 2-2 q 108 - Da Vingança).

"Aquilo que é acaso aos olhos de nossos conselhos incertos é um desígnio consertado num Conselho  mais alto" - dizia Bossuet, encerrando seu "Discours sur l´Histoire Universelle", escrito para o Delfim da França.

"L´único argomento considerabile contro la pena di morte - arremata Manzini - é aquele sentimentale, della ripugnante atrocitá dei codesta sanzione. Ma esso no può valere soltanto quando le condizioni sociali sono tali da farritenere indispensabilie la pena capitale" (ob. cit. vol. III, n. 527, ed. Torinense, 1950).


Essa natural repugnância deve porém ser superada, ante a consideração do número de vítimas poupadas com a execução de um criminoso de alta periculosidade:

"D. João VI, quando no Brasil, viu diante de si um miserável, que lhe pedia clemência, depois de ter matado um sacerdote. Antes, já havia sido indultado pelo assassínio de uma mulher grávida. 'Não o indulteis - ponderou o Conde D' Arcos - este homem cometeu um crime infame'. - 'Um? - retrucou o rei - ele cometeu dois!' - 'Não senhor, um só - atalhou o Conde - o segundo foi Vossa Magestade quem o cometeu, porque não deveria ter perdoado o primeiro a tão grande criminoso'. O criminoso foi enforcado, e o Conde D' Arcos continuou sendo Conselheiro do Rei" (Ramón Muñana - "Nuevo Catecismo en Ejempolos", verbete n. 3.288). 

Não poderia encerrar estas considerações, absolutamente dispensáveis, ante a magnitude desta obra, que fala "per se", sem transcrever, como arremate, a palavra definitiva do Doutor Angélico.

"Se for necessário à saúde de todo o corpo humano a amputação de algum membro que estiver infeccionado e possa contaminar os demais, tal amputação seria louvável. Pois bem, cada pessoa singular se compara a toda comunidade; e, portanto, se um homem for perigoso para a sociedade e a corrompe por algum pecado, louvável e saudavelmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum, pois, como afirma São Paulo, 'um pouco de levedura corrompe toda a massa' (I Cor. V, 6).

"Por conseguinte, embora matar ao homem que conserva sua dignidade seja em si um mal, sem embargo, matar ao homem pecador pode ser um bem, como matar uma besta, pois, como diz Aristóteles, 'pior é o homem mau que uma besta' ("Suma Teológica, 2-2 Q. 64, art. 2, "In" BAC, vol. 152, p. 433/434).

Italo Galli
Ex-Presidente do Tribunal de Alçada Criminal e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 

Nenhum comentário:

Postar um comentário