domingo, 19 de dezembro de 2010

ERRO JUDICIAL II - ¨Pena de morte jᨠPe. Emílio Silva

b) Parum et nihil aequiparantur - pouco e nada se equiparam - assim reza o antigo aforismo jurídico. Ou também, como dizem os moralistas: Parum pro nihilo reputatur - do pouco não se tem conta. E que dizer se é pouquíssimo?

Trazemos isto a propósito dos erros judiciais, pois se os autênticos erros foram sempre raríssimos, na atualidade, dada a perfeição das leis processuais, a prática em toda parte recomendada e prescrita aos juízes de não sancionar a pena máxima sem a certeza moral do delito, e de que se, apesar das diligências, subsiste alguma dúvida positiva ou haja alguma atenuante, não se aplique a pena capital, senão a imediata inferior, com estas garantias podemos estar certos de que hoje, quando se trata da pena de morte, não se dão erros judiciais. Um verdadeiro erro judicial é hoje, como se diz, mais raro que uma mosca branca.

Com muito bom sentido da realidade, um Magistrado brasileiro, Antônio Ciani, depois de verificar como, não obstante as campanhas contra, a opinião pública era "massiçamente favorável a esta última medida de defesa social, bem como também o povo note-americano havia exigido o restabelecimento daquela pena", faz as seguintes ponderações: É verdade que não podemos considerar-nos isentos de algum erro, dada a falibilidade de todas as obras humanas e que por isso deve colocar-se o máximo cuidado na aplicação dessas penas; é também verdade que a morte do injustamente executado impede toda reparação, porém se temos esgotado todas as possibilidades de errar, por meio de um processo levado a cabo com as mais exigentes precauções, "bem vale a pena infligir a pena de morte a um malfeitor pela vantagens que acarreta; a alforria de vidas inocentes é compensadora". Do contrário, acrescenta, dar-se-á a seguinte anomalia: pelo grande medo de sacrificar um inocente, em uma percentagem remota e improvável, estamos matando cada dia um sem número de inocentes pelas mãos dos assassinos".²³0

Não obstante, como os abolicionistas, segundo vimos acima, juntam indistintamente as penas de morte infligidas pelos tiranos e as causadas por erros judiciais, do conjunto resulta um impressionante número de vítimas inocentes. Isso leva Núnez a dizer que na exposição desse argumento "há mais retórica oca que verdade sólida".²³¹ Mas, como é lógico, essa confusão de vítimas, embora sirva para o proselitismo abolicionista, não vem ao caso em nossa exposição científica.

O certo é que, ainda em tempos passados, foram muito raras as vítimas de erros judiciais. G. Tarde refere ao caso do Sr4. M. Musio, Presidente da comissão do Senado Italiano, nomeada para elaborar o projeto do novo Código Penal, que teve que remontar a 35 anos atrás (de 1875 à 1840) para encontrar um presumido erro judicial nos tribunais da Itália.²³²

De maior efeito, todavia, para esvaziar esse balão do erro judicial, o caso de Rebaudi que Amor Naveiro comenta: Giuseppe Rebaudi consagrou-se com todo empenho à tarefa de investigar e estudar os caso de sentenças de morte impostas por erro judicial em todos os tempos e em todos os países, a partir da antiga Roma. O resultado foi desalentador. Dos casos estudados em seu livro A Pena de morte e os erros judiciários com dificuldade chega a cem em que à sentença se haja seguido a execução do acusado. Sobre estes cem erros judiciais Amor faz os seguintes cálculos: Divididos entre os 2000 anos que abarca o estudo, toca uma média de 5 para cada século. Mas como os países estudados são numerosos (Itália, França, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Países Baixos, EUA, etc.) vem a reduzir-se a menos de um por cada nação em cada século".²³³


c) No caso de admitir-se que a irreparabilidade dos erros judiciais deve conduzir-nos à supressão absoluta da pena de morte, apesar dos bens que de sua conservação advém para a sociedade inteira, vejamos quais e quão triste seriam as conseqüências que como pura lógica se acompanhariam: Teríamos que eliminar os trens, os vapores, os automóveis e os aviões, porque em todos eles, apesar da competência dos fabricantes e da perícia dos maquinistas e pilotos, as desgraças sucedem-se a cada instante. Eliminaríamos também as minas, as indústrias, as fábricas, as olimpíadas e até os produtos farmacêuticos porque, por causa da deficiência e falibilidade humanas, de todos eles advêm com freqüência acidentes mortais?

Mais analogia que os acidentes mortais do tráfego e da indústria guardam sem dúvida, com os erros judiciais, as ocorrências mortais na cirurgia e na medicina. Faz já mais de um século que A. Vera se fez eco desta analogia e dela extraiu as conseqüências: "O erros judiciais que levam a um inocente ao cadafalso são seguramente menos freqüêntes que os erros cirúrgicos em conseqüência dos quais tem lugar a amputação inútil  e irreparável de um membro, amputação muitas vezes mortal e sempre dolorosa."²³4 E não há como negar que o cirurgião assim como o médico jamais tiveram em mente sacrificar um inocente. Isto sucede contra seu intento e vontade.

Coisa parecida dá-se com o fenômeno da guerra, na qual não falta nunca o sacrifício de pessoas inocentes, Por isso, se se nega a licitude da pena capital em virtude do efeito negativo nos casos de erros judiciais, é inevitável negar a licitude da guerra, por mais justa e de caráter defensivo que esta seja. "Se o ato de dar morte a um homem, escreve um moderno teólogo dominicano, fosse intrinsecamente ilícito e imoral, poderia um Estado empregar contra outro Estado invasor aqueles meios de destruição que, como o canhão e a espada, inevitavelmente põem fim à existência de homens inocentes?"²³5

Não se alegue, contra tudo que foi dito nesta parágrafo, a admirável sentença daquele paradigma de imperadores, que foi Trajano, e que o legislador romano incorporou ao Corpus Juris: "É preferível que o assassino fique impune, a que seja castigado o inocente."²³6 Belo aforismo, que tem no direito sua perfeita aplicação, sempre que a culpa não seja de toda evidência e haja dúvidas positivas sobre a culpabilidade do acusado. Mas nunca o levemos ao extremo, porque nem por pensamento ocorreria a Trajano, de firmar-nos nele para não condenar ninguém por medo de erro.

Em conclusão deste tema, houve no passado erros judiciais, gravíssimos abusos do poder e do direito, execuções injustas? É indubitável que sim, houve tudo isso. Mas eu pergunto com Balmes: "Condenareis as leis porque não há tirania que não se haja exercido em nome de alguma lei? Abominareis os tribunais porque se hajam cometido crimes em nome da justiça?"²³7

A tudo isto responde David Núñez em um parágrafo magnífico que transcrevemos na íntegra: "Em última análise, poste que a pena de morte é a mais eficaz de todas para conter muitos que sem ela, seguramente, seriam assassinos, que é preferível, manter essa pena arrostando o perigo (não mais que o perigo) de que alguma vez, em um período de muitos anos, por erro dos tribunais pereça um inocente, ou suprimir a dita pena, contando com a segurança (não já o perigo) que, no mesmo período de tempo, pereçam em mãos dos assassinos centenas e milhares de vítimas inocentes, que com a pena de morte se teriam salvado?"²³8







230 Antônio Ciani, Pena de Morte, in O Globo, 5-II-1980.
231 D. Núñe, La pena de muierte, Buenos Aires, 2ª ed,. 1960, p. 192.
232 Gabriel Tarde, La Philosophie Penal, 5ª ed,. 1900, p. 544.
233 Amor Naveiro, ap. cit., p. 186-187.
234 Ap. Tarde, La Phil. Pen., p. 544; J. de Lebre, Da Pena de Morte, Lisboa, 1920, p. 121.
235 Jose Ma. Palacio. O.P., La pena de muerte ante el Derecho Natural, in La Ciencia Tomista, XXII, 1930, 321.
236 Corp. Iuris Civ., Dig. L. 48, tit. 19, de poenis leg. 5.
237 Jaime Balmes, História de la Filisofia, cap. LXIII, nº 368; na ed. da BAC, Obras, III, 534.
238 David Núñez, op. cit., p. 264.

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