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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

PENA DE MORTE - OBJEÇÕES V "Pena de morte já" Pe. Emílio Silva

j)    "A pena de morte é uma usurpação do direito divino. A sociedade não pode tirar aquilo que não concebeu. A vida do homem é coisa sacratíssima tanto para os próprios homens como para os governos."¹95 "Da vida de um homem nenhum outro, qualquer que seja sua autoridade, pode dispor sem usurpar o poder de Deus."¹96

Para os crentes, assim como para todos os que, desde a antigüidade até hoje, não hajam negado a lei natural e para quem o mundo é governado por alguma instância superior e transcendente, essa objeção carece de valor. Com efeito, se bem é certo que a vida e os primeiros direitos do homem, como o de propriedade, a liberdade etc., não no-los outorgou a sociedade, senão que a ela são anteriores, pois derivam do direito divino-natural, do mesmo Deus criador de nossa natureza; resulta também que a sociedade, composta por homens naturalmente sociáveis, é do mesmo modo de direito natural, e portanto deve estar dotada, nos que a governam, de todos os poderes e atribuições requeridos para manter a união e pacífica convivência dos cidadãos. Fora dos ateus e ultraliberais ninguém nega o aforismo bíblico: "Todo poder vem de Deus." "Por mim reinam os Reis e os príncipes decretam o justo."¹97

Na pessoa do legítimo superior reconhecem os povos o Rei dos Reis e rendem-lhe vassalagem, obedecendo-lhe. É ademais, o que governa, ministro de Deus, e em seu nome leva a espada, e não inutilmente - não é sem razão que ele traz a espada.¹98 Não é pois ele, quem ao homem mata, senão Deus, que por meio do homem exerce sua justiça.

Por conseguinte, a sociedade, assim como sem haver-nos dado a liberdade pode privar dela os delinqüentes - ninguém, nem o mais indomável abolicionista negou o poder de prender um assassino - também pode privar o criminoso do desfrute da vida. Isto expressou-o com clara distinção de conceitos o Papa Pio XII, fazendo notar que, de fato, o Estado não dispõe do direito à vida de um cidadão, porém sim, pode privar o condenado do bem da vida, em expiaç´~ao de sua falta, depois que ele por seu crime se privou já do direito à vida".¹99 Famosa fez-se aquela frase de Sócrates referida por Platão: "Não te matei eu, senão que te matou a lei", indicando que não é  o homem que impõe a pena de morte, senão que a sociedade a exige para sua tranqüilidade e subsistência.

"A vida do homem, dizem, com Veiga, muitos abolicionistas, é coisa sacratíssima", porém, qual vida? A do celerado ou a do inocente? Poremos as duas no mesmo plano? Ainda pior, pois vemos que o que lhes dói não são as vidas de inumeráveis inocentes, que cada dia morrem em mãos de terroristas e criminosos, senão a destes. Pois bem, sejamos sinceros, essas duas vidas não são de modo algum equiparáveis. Se a do inocente é tão preciosa, como o é de fato, por que não defendê-la a qualquer preço? Não será lógico que, se não houver outros meios de deter o criminoso, como de fato acontece, se chegue à morte do injusto agressor, que não respeita a vida dos outros semelhantes?

k)    Não se deve responder a um crime com outro crime nem devolver o mal com o mal. Isso já prevaleceu e não deve voltar.

Equiparar a execução do réu ao homicídio por ele cometido é pura demagogia intolerável, pois ninguém há tão insensato e tão néscio que não veja o absurdo dessa afirmação.

Na verdade, a quem em seu reto juízo pode ocorrer colocar na mesma balança o criminoso que deflora uma donzela e a mata ou degola um ancião para roubá-lo e o juiz que, em virtude da lei, em sua nobilíssima missão de defesa da sociedade, envia ao patíbulo esse malfeitor? Se esse argumento se reduz ao preceito talonário, olho por olho, dente por dente, já fica dito, em páginas anteriores, em que sentido é admissível e legítimo esse preceito.

Mas expliquemos a equação entre delito e castigo, que se segue à expressão "mal por mal", e que ainda por gente ilustrada e bem intencionada é errôneamente entendida.

Tudo deriva da ambigüidade ou duplicidade de sentido do vocábulo mal. Já o sapientíssimo doutor medieval Santo Isidoro nos fez notar esse equívoco: "O mal que qualquer um faz é um pecado, o mal que sofre é um castigo."²00

Não há pois equiparação ou igualdade possível entre delito e pena por serem os dois males, embora heterogêneos. Se o delito é mal moral ou culpa, o castigo ou dor é mal de pena. Uma vez mais vemos aqui que no castigo não há, nem pode haver, igualdade com a falta, senão tão só certa proporção entre a culpa que envilece e a pena que redime.








193 Thomás Molnar, El pacifismo Y la Paz, in Verbo, Madrid, 221, 1984, 48.
194 Discurso a los participantes en el VI Cong. Int. de Der. Penal, 3-X-53 in Docum. Politicos, BAC, p.414
195 Luiz Francisco da Veiga, O primeiro Reinado Estudado à Luz da Sciencia, Rio de Janeiro, 1877, p. 199-200.
198 Rom. XIII, 4.
199 AAS., 1952, p. 783
200 Sto. Isidoro, Etimologias, L. V., 27, ed, da BAC, Madrid, 1982, I, p. 530.

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