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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

SENSIBILIDADE INVERTIDA SOBRE A PENA DE MORTE - "Pena de morte já" Pe. Emílio Silva

É habitual nos abolicionistas, à falta de argumentos positivos, derivar pela via do sentimentalismo, intentando levar por esse caminho à repulsa da pena de morte. Esta, descrevem-na, pintando os atrozes sofrimentos a que eram submetidos em outros tempos os mal feitores, o horror das prisões, a terrível crueldade dos castigos, os "autos de fé" da Inquisição espanhola.²09 Mas como a Inquisição perseguiu os judeus conversos judaizantes e foi o instrumento da Espanha em sua titânica e gloriosa cruzada para a contenção da heresia luterana no ocidente, todos esses elementos a que logo se juntarão os mações, donos quase absolutos dos meios de comunicação, não cessam de denegrir e pintar com as mais horríveis cores, em máxima parte imaginários e inventados, as atuações daquele tribunal da fé.²¹0


A conquista de Granada
 São desgraçadamente hoje, todavia, muitos os espanhóis que, ou por ingenuidade, ou ignorância, ou por sectarismo anticlerical, naufragam na fé, fazem eco a esses seculares inimigos da Espanha, secundam suas campanhas e repetem suas diatribes contra a Espanha inquisitorial, que velis nolis, como dizia Sêneca, é a Espanha gloriosa, a do Século de Ouro que as demais nações invejam.

Eu pergunto. Por que esse cuidado em descrever com tão negras cores os atrozes tormentos a que algumas vezes foram submetidos os sancionados com a pena capital, e não em fazê-lo igualmente quanto à ferocidade, à sevícia absoluta e inaudita com que agora vemos, em qualquer país e quase todos os dias, imolar anciãos, mulheres e crianças etc., absolutamente inocentes? É o de sempre, a sensibilidade invertida.

Este sentimentalismo, ou melhor diríamos pieguice convencional, que leva ao extremo absurdo de sustentar que não se deve castigar o assassino senão tão-só infligir-lhe alguma pena medicinal para sua emenda, provocava as iras do eminente Carrara, que, foi nisto, não "um antagonista convicto, senão um feroz adversário". Ele proclamou que "a pena só pode ser uma coisa: uma pena. Benigna sim e justa, porém adequada ao delito já cometido e imutável, quaisquer que sejam as mudanças posteriores". O contrário leva a "funestas ilusões que olvidam a proteção dos bons para educar os maus. A mitigação da pena merecida, com o pretexto de uma presumida emenda, provoca a delinqüência e constitui um escândalo político".²¹¹

Em honra desse sentimentalismo, Carnelutti propõe que as prisões e penitenciárias se convertam em "sanatórios das almas" e que as sanções se imponham "como atos de amor", sem rigores nem aflições.²¹²


Charles Manson
 O resultado dessa política sentimental descreve-o vigorosamente e com duros traços outro jurista italiano contemporâneo. "Hoje temos, como tristemente salta à vista de todos, uma delinqüência por toda parte, que, talvez jamais como agora, alcançou uma violência, expansão, brutalidade, consciente e manifesto desperdício de todo freio humano ou divino. Por isto, ante o ideal da pena como ato de amor, opõem-se as instâncias dos povos reclamando o restabelecimento da pena capital, onde foi abolida, e sua freqüente e rápida aplicação onde todavia se mantém." ²¹³

Essa campanha em que se invertem os sentimentos, brandura com o assassino e esquecimento do assassinato, levada a cabo sistematicamente e com pertinácia pelos mais apaixonados abolicionistas, não havendo sido decidida em contrário por uma ilustração suficiente de signo oposto, obteve e está obtendo bom êxito incontestável nos mais diversos países, de tal modo que a imensa maioria dos que opinam em favor da absolvição o fazem por um sentimento cego, não por convicção individual.

Faz já muitos anos que o celebrado escritor lusitano Júlio
Dantas, referindo-se à sua pátria, onde havia sido abolida a pena capital, escreveu: "Há já tempo que se vem dando entre nós o fato, na verdade estranho, de toda a gente se comover até às lágrimas com a sorte dos criminosos, sem se lembrar de lamentar a sorte das vítimas. Este excesso de sensibilidade, verdadeiramente paradoxal, é uma manifestação perigosa numa sociedade que tem, não apenas o direito, mas o dever de defender-se".²¹4
(...)
Fique não obstante bem claro que estamos longe de censurar a defesa dos direitos legítimos do malvado ou que dele se tenha piedade e misericórdia, o que é muito cristão. O que se censura é que isto se faça em detrimento, de qualquer forma que seja, da justiça e da eficaz defesa que, com preferência, aos bons é devida. Com admirável claridade e precisão explica isto Sto. Tomás: "A misericórdia, se está regulada pela razão, é uma virtude moral, isto é, quando se exerce sem violar a justiça, porém não o é quando se trata de um simples sentimento ou paixão."²¹6
(...)
Diz-se de Hernán Cortés que lamentava saber escrever, ao firmar sentenças de morte. "Cortés, conta seu cronista, disse entre grandes suspiros: Oh, quem não soubera escrever para não firmar sentenças de morte." E comenta Fuentes Mares: "suspiraria muito, mas não lhe tremeu a mão".²¹7







209 A Inquisição nos tempos áureos e mais ativos foi querida e bendita por todos os espanhóis. "Não foi a Inquisição, disse uma vez Pedro Sáinz }Rodríguez, uma imposição do Estado à consciência nacional, senão uma criação dessa consciência nacional. Tribunal popularíssimo, era o instrumento com que a fé coletiva do povo espanhol tratava de libertar-se, consciente e voluntariamente, de todo contágio que pudera trazer como conseqüencia uma divisão dessa unidade da consciência coletiva". V. Feliú, La Inquisición otra vez, in Roca Viva. n° 25 (I-1970), 41; e o próprio Unamuno, com tanta freqüencia hostil à Igreja institucional, declarou: "Não, não vamos supor que a Inquisição fora algo externo a nosso espírito coletivo e a ele imposto, não". "A Inquisição brotou das entranhas mesmas da alma espanhola" ("A. Junco, Inquisición sobre la Inquisicíon, Mejico, Ed. Jus, 4ª ed., 1967, p. 60).
Muitos são hoje os historiadores estrangeiros que têm saudades da sorte da Espanha, que, à custa de um mui reduzido número de executados - nunca tão cruelmente tratados como os proscritos nos cárceres de outros países - salvou a nação das terríveis guerras de religião que assolaram  e levaram a morte e a fome a considerável porção da Europa, e pôde conservar a unidade religiosa, social e civil e conservar a paz durante três séculos.
210 A bibliografia sobre a Inquisição é imensa e não é este lugar para indicações. Só dizemos que nenhum espanhol deveria desconhecer o já citado Inquisición sobre la Inquisición, do ilustre mexicano Alfonso Junco. Sumamente interessante é também a este respeito a recente obra de Jean Dumont, L´église au risque de l´Histoire, Paris, Criterion, 1982.
211 F. Carrara, Programa del Corso de Diritto Criminale, 10ª ed., Florença, 1907, § 645, nota, p. 14.
212 Francesco Carnelutti, Il Problema della Pena, Roma, 1945, p. 35.
213 Biagio Petrocelli, Saggi di Diritto Penale, Padua, Celam, 1952, p. 482.
214 Júlio Dantas, Arte de amar, Lisvoa, s.d., p. 122.
216 Suma Teol., I-II, 59, 1 a 3.
217 José Fuentes Mares, Cortés. El hombre. México, Ed. Grijalbo, 1981, p. 16.

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