Jesus Cristo é o eixo da história humana, o ponto central dos tempos. Antes d´Ele, o mundo antigo; depois d´Ele, o mundo moderno. No antigo reinava o temor; no novo, impera o amor. Jesus Cristo manifesta-nos a paternidade divina. Deus é nosso Pai, Deus é amor, mas, antes de tudo, introduz uma grande inovação: que devemos amar a nossos inimigos.
Quer isto dizer, como com ênfase proclamam muitos abolicionistas, que os castigos, e sobretudo a pena máxima, são antievangélicas? Não conseguem aqueles distinguir a ordem da justiça, da ordem da caridade, e contrapõem essas duas virtudes como se a justiça fosse equivalente à vingança e ódio e portanto oposta à caridade. Isto é gravemente errôneo. A justiça é uma das virtudes cardeais e, até certo ponto, é aquela que "levanta as nações".4¹ A justiça faz reinar a ordem e a paz, tanto na vida individual como na social. Sem ela, imperaria a luta entre os interesses rivais, a anarquia e a opressão dos débeis pelos fortes, o triunfo do mal.
Nos evangelhos está declarada e manifesta várias vezes a pena de morte. Vejamo-lo.
No Sermão da Montanha começa Jesus por prevenir a multidão sobre sua missão: "Não penseis que vim para abrogar a Lei e os Profetas, não vim para abrogá-la, senão para aperfeiçoá-la... Haveis ouvido o que se disse aos antigos: Não matarás, o que matar será réu de juízo... o que disser "raca" será réu perante o Senedrim".4²
Como se vê, não derroga Jesus a pena de morte que a Lei assinalava para os homicidas, sem esperança de indulto nem de asilo, mas os judeus limitavam este mandamento ao só fato físico de matar, sem levar em conta a ira ou apetite de vingança e as injúrias. Jesus confirma a prescrição mosaica, porém ensina-lhes que a ira e o rancor são também imputáveis e merecedores, perante o tribunal divino, de análoga reprovação.
Não estão pois em oposição a caridade, a todos recomendada, e a justiça, confiada aos que nos governam, porque, como adverte o grande exegeta Lagrange: "Se cada um pode renunciar a seu direito e perdoar, à autoridade não é permitido renunciar à sua missão de fazer reinar a boa ordem social, a qual exige a punição dos delinqüentes."4³
No Jardim de Getsêmani, havendo chegado Judas com um grupo de pessoas, deitaram mão em Jesus e prenderam-no. Enquanto isto, vieram os discípulos: "Simão Pedro, que levava a espada, desembainhou-a e feriu um servo do Pontífice, cortando-lhe uma orelha." O Senhor, dirigindo-se a Pedro, e dando-lhe uma lição de justiça, disse-lhe: "Embaínha tua espada; porque todos os que usarem a espada, pela espada morrerão",44 isto é, todos os que se arrogarem o direito de matar, sendo os vingadores de si mesmos, os que não têm direito à espada como os magistrados, senão que a usam por sua própria autoridade, serão vítimas da espada.45 Porque quem a ferro mata, a ferro deve morrer. É bem sabido, escreve Steenkiste, 46 que aquela sentença de Jesus a Si9mão Pedro "desagrada sobremaneira aos abolicionistas da pena de morte", pois se opõe inequivocamente a sua tese.
Donde com meridiana claridade e de forma irrefutável se faz ver que Deus outorga aos príncipes o direito de aplicar a pena máxima a réus de graves delitos, é no interrogatório de Pilatos a Jesus. O Governador procura salvá-lo e dirige-lhe várias perguntas, porém Jesus não lhe deu resposta - Jesus autem tacebat - Pilatos sente-se incomodado, crê-se afrontado e trata de infundir-lhe temor com gravíssima ameaça de morte, apoiando-se em sua autoridade suprema: "A mim não me respondes? Não sabes que tenho poder para crucificar-te, e que tenho poder para soltar-te?" Divinamente calmo, Jesus recorda-lhe que esse poder não é dele, mas foi-lhe dado do alto - desuper - para fazer justiça, pois, "toda autoridade humana é delegada do céu."47 "Não terias sobre mim nenhum poder se não te fosse dado do alto." Com isto avisava o Governador de que visse como julgava, pois havendo recebido do céu o poder, Deus pedirlhe-ia contas se dele usava iniquamente. "Por isto, o que a ti me entregou, maior pecado tem". porque, se o Governador romano, que não tinha maior conhecimento de Jesus, era culpado, bem maior era a culpa de Caifás que em nome do Sanedrim o entregou, pois os chefes de Israel conheciam o Senhor e sua santidade e milagres e apesar disso, com verdadeira maldade, o haviam entregue a Pilatos.48 O que com mais claridade ressalta daquela resposta de Cristo ao Governador romano é a doutrina, diversas vezes ensinada na Sagrada
Escritura,49 segundo a qual todo poder vem de Deus e que o
Divino Mestre atribui expressamente ao juiz que aplica a pena de morte.
(...)
Há enfim, outra passagem evangélica em que de novo se manifesta a justiça e a licitude do último suplício aplicado a facínoras. É a confissão do Bom Ladrão. Crucificados à direita e esquerda do Redentor, um companheiro insulta Jesus, porém o Bom Ladrão interpela-o, confessa seus delitos e proclama a justiça com que se lhes condenou por seus crimes e a injustiça da condenação de Jesus inocente".50 "Nem tu, que estás sofrendo o mesmo suplício, temes a Deus?" Nós outros temo-lo merecido, por isso recebemos o digno castigo de nossos crimes; porém este nenhum mal fez."5¹ Sua confissão humilde, e a aceitação do merecido castigo, valeu-lhe a entrada imediata no Paraíso.
Não só nos Evangelhos mas também em outros livros do Novo Testamento se dá por justa a pena de morte.
Ante as graves acusações dos judeus a S. Paulo, no tribunal do Procurador Pórcio Festo, Pablo diz-lhe: "Tu sabes muito bem que nenhuma injúria fiz aos judeus. Se cometi alguma injustiça ou crime pelo qual seja réu de morte, não recuso morrer."5²
S. João, o discípulo amado de Jesus, recorda-nos o preceito da lei mosaica e as palavras de Jesus a Pedro: "Quem a ferro matar, é preciso que a ferro seja morto."5³
S. Paulo, em sua epístola aos romanos, expõe com meridiana claridade as faculdades de que está investida a autoridade pública, inclusive a de fazer uso da espada, símbolo do poder sobre a vida dos malfeitores. "O príncipes e magistrados só são temíveis para os que procedem mal. Queres não temê-las, as autoridades? Pois procede bem e elas louvar-te-ão; porque o príncipe é um ministro de Deus, colocado parar teu bem. Mas se procedes mal, treme, porque não em vão brande a espada; sendo como é, ministro de Deus, para exercer a justiça, castigando o que procede mal."54
A Lei de Talião - Entre outras razões, alegam os abolicionistas contra a pena de morte, que ela significa a aplicação da antiga, "bárbara e injusta" Lei de Talião, hoje repelida, dizem, por todas as legislações, Isto é grave erro dos abolicionistas que por ignorância e por malícia tomam o Talião em seu sentido material e igualitário, de todo inadmissível. O Talião é o fundamento de toda legislação penal, não enquanto prescreve uma igualdade material ou aritmética entre o delito e a pena: "Olho por olho, dente por dente", porque isso em muitos casos resultaria moral e impossível, senão em seu aspecto formal ou moral, igualdade de porporção entre o delito e a pena.
"A suprema justiça, escreve um exegeta moderno, 55 é dar ao culpável o que merece na mesma linha de sua falta." Isto é exigência da própria razão natura. "Graduar a crueldade dos suplícios pela crueldade dos crimes."56 A humanidade inteira entendeu sempre que aos réus de crimes graves se há de irrogar-lhes uma pena equivalente ou proporcional a seu delito. (...)
Nota sabiamente o Cardeal Gomá que o Talião exige "igualdade de medida e não identidade do castigo".59
A mencionada Conceição Arenal, muito humana em todas suas intervenções criminalistas e penais, expressa essa convicção universal com estas notáveis palavras: "O Talião, isto é, um castigo igual ao dano que se provocou, está na consciência da humanidade, na do ofendido e na do ofensor, em todos, é a justiça, severa, porém é a justiça."60
Escutemos ainda, mais autorizada, e cheia de vigor apesar dos séculos transcorridos, É o grande Doutor da Igreja S. João Crisóstomo: "Tu dizes ser Deus cruel por haver mandado tirar olho por olho, pois se a Lei de Talião é crueldade, também o será reprimir o assassino e cortar os passos ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco poderão por remate afirmá-lo."
"Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade nisso, que melhor afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes uma iniqüidade... Imaginemos, senão, por um momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que temer castigo, que os malvados possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar, matar, ser perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de cima a baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo inteiro se encheria de crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor e ameaças, os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se deixara, que obstáculo ficaria para impedir o triunfo da maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e contra nossas vidas? Com isto juntar-se-ia outro mal menor, o deixar indefeso o inocente e consentir que sofra sem razão nem motivo."6¹
Não falta, contudo, quem ainda admitindo a justiça do Talião mosaico, cuja finalidade primária era a de restringir e moderar os excessos da vingança particular, afirma que na Nova Lei já não tem sentido, uma vez que Jesus Cristo a aboliu prescrevendo o perdão das injúrias em lugar da vingança.
Esta interpretação extensiva das palavras de Jesus provém, como já antes fizemos notar, de não distinguir devidamente a ordem da caridade da ordem da justiça. Como adverte o comentarista Steekist: "Aquelas palavras não as dirige o Salvador aos magistrados mas ao comum dos homens."6² Porque se em mim a caridade está em perdoar a quem me injuría ou me fere, o magistrado está em exercer a justiça castigando quem me injuria e defendendo-me de quem me fere e defendendo igualmente todos os membros do corpo social para evitar que vivam com insegurança e temor - como hoje sucede - dos assassinos impunes.
Esta foi em todo tempo a interpretação que a tradição católica e os doutores deram às palavras do Divino Mestre sobre o Talião. Com elas, não se nos proíbe entregar à justiça a punição da violência de que hajamos sido vítimas, pois isto é de direito natura e das gentes, nem muito menos se proíbe aos magistrados infligir o castigo, ou aos príncipes a guerra justa, porque isto é precisamente seu dever, a fim de que a justiça seja reparada, os malfeitores castigados e a República viva toda na paz.63
41 Prov. XIV, 34.
42 Mt. XII, 18-20.
43 M. J. Lagrange, Egangeli selon S. Mathieu, 7ª ed., Paris, 1948, p. 112.
44 Mt. XXVI, 47-52; Jo. XVIII, 2-12.
45 Card. Isidro Gomá, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930, IV, 296.
46 J.A. Steenkist, Comm. in Matheum, Brujas, 1903, II, 906.
47 In. XIX, 11; Rom. XIII, 1.
48 In. XIX, 12.
49 Cfr. Prov. VIII, 15; Sab. VI, 4; Dn. II, 21; Rom. XIII, 1-2.
50 Gomá, El Evangelio explicado, Barcelona, 1930.
51 Lc. XXIII, 40-43.
52 Act. XXV, 9-11.
53 Ap. XIII, 10.
54 Rom. XIII, 3-4.
55 Sebastian Bartrina, Comentario al Apoc. de S. Juan ap. La Sagrada Escritura comentada (BAC) 2ª ed. N. Test. III, 740.
56 Concepción Arenal, El Derecho de gracia, Madrid, La España Moderna, 1867, p. 230.
59 I. Gomá, El Evangilio explicado, Barcelona, 1930, II, 179.
60 C. Arenal, Cartas a los deincuentes, carta XXX; ap. C. Amor Naveiro, El Problema de la Pena de Muerte, Madrid, 1917, p. 102.
61 Scti. J. Chrysostomi, Opera Omnia, Migne P. L. VII, Col. 246-7 - Ed. esp. de la BAC. 141, Madrid 1955, I, 324-325.
62 J.A. Van Steenkiste, S. Evang. sec. Math. Comm., Brujas, 1903. I, 241.
63 Jacob Tirini, In S. Scripturam Commentarius, Turin. 1883, IV, 31.
Lembrando que a lei de talião produziu uma gama de mutilados que não poderiam trabalhar e eram sustentados pelas pessoas alheias, incluindo os parentes da suposta vítima que deu origem ao mutilado...muito justo, não?
ResponderExcluirArgumento puramente sentimental, carece de razão. O texto já é esclarecedor. Não se punia inocentes... aliás nenhuma menção vossa sobre as vítimas, curioso. Vítimas assassinadas, abusadas, etc, etc... Sim, a pena de morte é justa quando proporcional ao crime cometido. Você sugere que tipo de justiça aos que foram justiçados e se encontram à 7 palmos?
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